Clipping – Mais de 400 casos de pensão paga a pessoas mortas estão sob apuração no Estado
Dinheiro do Instituto de Previdência do Estado (IPE) escoa para as mãos de fraudadores. Quando o Estado desembolsa R$ 245 milhões mensais para pagar pensionistas, também pode estar bancando mortos-vivos: são pessoas que se apossam da identidade de beneficiários falecidos e sacam os valores de pensões depositados pelo IPE-Prev.
Pelo menos 427 casos estão sob suspeita no instituto. Em 77 situações já verificadas em sindicância desde 2013, o prejuízo chega a R$ 7 milhões.
Mas o Grupo de Investigação da RBS (GDI) apurou que existem mais 350 casos em que a pensão teria sido sacada fraudulentamente, depois de o beneficiário morrer. Os procedimentos mais antigos são de 2009 e ainda não foram alvo de apuração interna.
O instituto entregou a listagem, incompleta, à Polícia Civil — no documento só constavam nomes, sem informações de RG ou CPF. O presidente do IPE-Prev, José Guilherme Kliemann, confirmou que a Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária abriu inquéritos para investigar quem recebeu valores em nome desses mortos.
— A polícia pediu complementação de informações e nós estamos providenciando. Estreitamos relações e agora teremos uma linha direta com a polícia — disse Kliemann.
Além dessas situações, está em curso no IPE-Prev o recadastramento de filhas solteiras, que também detectou indícios de pagamentos irregulares de pensão. Há, pelo menos, 217 casos sob suspeita de que filhas que não se enquadram no critério “solteira” receberam a pensão de falecidos. O IPE-Prev vai divulgar nesta quinta-feira (11) o resultado do recadastramento e dados sobre o cancelamento de pagamentos irregulares.
Principal vítima das fraudes, o instituto pecou em seus controles ao longo dos anos. A deficiência mais gritante do órgão público tem sido a incapacidade de detectar quando um pensionista morre. Assim, em algumas situações, a pensão fica sendo depositada por meses depois do óbito. São comuns casos de ela ser paga durante um ano, até a data da próxima renovação de prova de vida que o beneficiário deveria fazer. A renovação é um procedimento anual.
Já em outras situações, pessoas ligadas aos falecidos manipulariam documentos e informações para abocanhar o dinheiro. A ação de fraudadores se somaria às deficiências de controle do instituto, que, mesmo tendo acesso desde 2010 ao banco de dados nacional de registro de óbitos, o Sisobi, estaria falhando ao conferir informações básicas.
Além da falta de tecnologia para fazer cruzamentos de dados, o IPE-Prev carece de recursos humanos. Diante das falhas que vêm sendo apontadas pelo menos desde 2013 por órgãos de controle — não só com relação ao pagamento de pensões, mas também quanto a desvios na realização de exames e de consultas médicas —, a ação mais concreta para qualificar a busca a beneficiários já mortos só entrou no cenário do instituto em fevereiro de 2018.
À época, foi firmado termo de cooperação com o Sindicato dos Registradores Públicos do Estado (Sindiregis). O presidente do IPE-Prev explica que a parceria prevê que o Sindiregis informe à Companhia de Processamento de Dados do Estado (Procergs) todos os óbitos registrados. Com isso, a Procergs faz o cruzamento com o cadastro do IPE para verificar se, entre os falecidos, há servidores públicos aposentados ou pensionistas.
A partir dessas informações, os pagamentos podem ser bloqueados imediatamente. Apesar de o convênio ter sido feito ano passado, a medida só foi efetivada a partir de abril deste ano, quando passou a vigorar, conforme Kliemann, uma “rotina de cancelamentos automáticos com base nos informes de morte”. A demora de implementação seria em decorrência de ajustes entre sistemas.
O IPE-Prev tem 44 mil pensionistas, sendo que 1,6 mil residem fora do Rio Grande do Sul. As pensões custam aos cofres públicos R$ 2,8 bilhões por ano. Frente ao desembolso total, o presidente do órgão avalia que o percentual de perda com pagamento a pessoas falecidas não é grande, porém destaca que a situação não é admissível:
— Diante do todo, o valor é pequeno, mas não se pode admitir a fraude, não podemos trabalhar com essa hipótese. Desde 2015, sindicâncias começaram a ser abertas e os critérios para a renovação do benefício se tornaram mais rigorosos.
Kliemann destaca ainda que é uma “regra nacional” esse tipo de falha ao pagar pessoas mortas:
— Não é exclusividade no Estado. Isso ocorre nacionalmente, casos em que a pensão segue sendo paga por dois, três meses até que o óbito entre no sistema. Temos convicção de que a partir do convênio com o Sindiregis isso não está mais acontecendo no IPE-Prev. E estamos em processo de implantação da informatização de todo o sistema previdenciário. Em dois anos, será tudo informatizado. Hoje, temos muita coisa sendo feita manualmente e em papel.
Falhas no controle de pagamento de pensões são apontadas há seis anos
Os gestores do IPE-Prev vêm sendo alertados sobre pagamentos a pensionistas mortos há seis anos. Relatórios da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) detectaram o problema em 2013. O Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2015, identificou pagamentos irregulares e determinou a instauração de tomada de contas especial para quantificar o tamanho do prejuízo e identificar responsáveis no período de 2013 a 2015. O procedimento ainda está em tramitação.
Apesar dos avisos, o IPE-Prev pagou, pelo menos até 2018, pensões a pessoas já mortas. Ao longo dos anos, o instituto respondeu aos órgãos de controle afirmando estar adotando medidas para estancar pagamentos irregulares e para reaver os valores pagos indevidamente.
Em fevereiro deste ano, ao analisar esclarecimentos do IPE-Prev sobre o que fez para coibir fraudes, auditor do TCE registrou que houve reincidência de inconformidades em 2014 e em 2015, apesar dos alertas da Cage feitos em 2013. A manifestação do auditor é focada no período analisado na tomada de contas especial, ou seja, de 2013 a 2015, sem levar em conta casos que tenham sido descobertos depois disso.
Quanto a ações corretivas, o auditor destacou na manifestação que o convênio com o Sindiregis ocorreu “apenas em 22 de fevereiro de 2018” e que as ações para recuperar valores pagos indevidamente “vêm se mostrando parcialmente infrutíferas, haja vista o elevado montante de recursos ainda pendentes de recuperação”.
O controle de óbitos
Em 1986, um decreto federal criou a exigência para que titulares de cartórios de registro civil enviassem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) todos os lançamentos de óbitos. Em 1991, a exigência passou a constar em lei federal.
Em 2001, visando ao aperfeiçoamento dessas comunicações, foi criado um novo modelo para o envio padronizado das informações, o Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi).
Em 2015, houve nova etapa de modernização, com a criação do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), que ampliou o leque de dados que devem constar nas comunicações a fim de facilitar e tornar mais precisa a busca por nomes de segurados.
O Sirc é abastecido pelos cartórios de registro civil com informações não só de óbitos, mas de nascimentos e de casamentos. Além disso, o sistema pode ser programado para envio diário dessas informações ao INSS.
A partir do convênio com o Sindiregis, o IPE diz que pretende ampliar o acesso às informações, obtendo também dados de óbitos em outros Estados e com regularidade mensal ou até diária.
Fonte: GaúchaZH
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