A ação de retificação de registro civil foi julgada procedente em primeira instância para reconhecer e declarar a paternidade do réu, fixar guarda unilateral à mãe, bem como a convivência em finais de semana alternados, além do pagamento de alimentos. Na apelação, o réu argumentou que mãe e padrasto da criança sempre souberam da paternidade biológica, mas optaram por registrá-la apenas com o nome do pai socioafetivo.
De acordo com o desembargador Carlos Alberto de Salles, relator da apelação, “é possível o ajuizamento de ação de retificação de assento de nascimento pelo filho para que seu registro oficial reflita sua verdade biológica, independentemente da existência de paternidade socioafetiva”.
A existência de paternidade socioafetiva não exclui a paternidade biológica, tampouco afasta as responsabilidades dela decorrentes para o pai biológico, ponderou o magistrado. “Ainda que a genitora e o antigo pai registral do apelado soubessem que ele não era o pai biológico do menor, isso não afasta a possibilidade de o próprio filho buscar sua verdade biológica”, concluiu.
Vínculos concomitantes
O Supremo Tribunal Federal – STF ressaltou a importância da socioafetividade na Repercussão Geral 622, que traduziu a realidade de inúmeras famílias brasileiras. Os ministros entenderam o afeto como vínculo de parentesco, sem nenhuma hierarquia entre a filiação originada da consanguinidade, possibilitando, inclusive, que podem ser concomitantes, resultando na multiparentalidade.
“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.” (STF, RE nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017).
O Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editado em novembro de 2017, regulamentou as implicações decorrentes do julgamento do STF. Desde então, a jurisprudência tem recepcionado bem essa tese, com os entendimentos diversos cada vez mais escassos. Foi o que apontou a oficiala de registro civil Márcia Fidelis, em entrevista sobre o tema ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
“A multiparentalidade no registro é uma consequência da vida real. São inúmeros os casos de crianças e adolescentes que têm como referência de filiação mais que um pai e/ou mais que uma mãe. Seja porque ainda coexistem pais socioafetivos com pais consanguíneos, seja porque, em função de falecimento, o outro passou a exercer esse ‘papel de pai/mãe’, sem que o falecido tenha deixado de existir na vida do filho”, observou Márcia Fidelis. Leia a entrevista na íntegra.