Clipping – É possível usar registros de áudio e de vídeo para formalizar testamentos
Nesses tempos de isolamento social, com o aumento das atividades e providências burocráticas através de recursos eletrônicos, a pergunta é bem oportuna e merece dedicação especial para que a informação atinja as pessoas interessadas no assunto.
De início, é importante esclarecer que há projetos de lei (PL) que têm por objetivo instituir no nosso ordenamento jurídico a gravação de som e imagens do testador e suas testemunhas como modalidade de testamento.
No entanto, atualmente a discussão é se com o advento do Provimento n.º 100, publicado em 26 de maio de 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça, já se mostra possível a adoção de registros de áudio e de vídeo para formalizar um testamento.
O que diz o Provimento n.º 100 do CNJ
O recente provimento dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, além de criar a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE e dá outras providências. O provimento define videoconferência notarial como “ato realizado pelo notário para verificação da livre manifestação da vontade das partes em relação ao ato notarial lavrado eletronicamente”.
O artigo 3º do Provimento n.º 100 do CNJ aponta requisitos para a prática do ato notarial eletrônico:
Art. 3º – São requisitos da prática do ato notarial eletrônico:
I – Videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre termos do ato jurídico;
II – Concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico;
III – Assinatura digital pelas partes, exclusivamente, via e-Notariado;
IV – Assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil;
IV – Uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital;
Parágrafo único: A gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo:
- a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas;
- b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública;
- c) o objeto e o preço do negócio pactuado;
- d) a declaração da data e horário da prática do ato notarial; e
- e) a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato notarial.
O debate sobre o cabimento de testamento utilizando vídeo gravação é pertinente porque, se por um lado o novo provimento traz a possibilidade de atos notariais pela via digital, de outro, o texto do artigo 1.876 do Código Civil indica expressamente a necessidade de que o testamento seja assinado por quem o escreveu e ao menos três testemunhas.
Interpretando e adequando o que diz o nosso Código Civil, à luz do artigo 3º do Provimento n.º 100 do CNJ, concluímos pela possibilidade de que o testador, na presença das testemunhas, obtenha o registro em áudio e vídeo de declarações de última vontade, perfazendo um testamento válido, desde que resguardadas as regras impostas pelo provimento do CNJ acima citado.
Ora, se antes do novo provimento do CNJ já havia quem defendesse a admissão de testamento em vídeo, desde que reconhecida sua autenticidade por ata notarial ou, sobretudo, como meio de ratificar a forma escrita, mitigando a possibilidade de sucesso de eventual tentativa de alegar nulidade frente ao ato de última vontade, agora, diante do Provimento n.º 100 do CNJ esse entendimento ganhou corpo e coerência.
Posicionamento com ressalvas
Apesar do texto do Código Civil determinar que o testamento seja escrito e conte com assinaturas do testador e testemunhas, a minha interpretação à luz do Provimento n.º 100 do CNJ é que a forma em vídeo (audiovisual) é plenamente possível.
No entanto, pensando na segurança de um ato jurídico tão importante que, por definição, dá publicidade à última vontade de uma pessoa, agora não me sinto confortável para recomendar aos meus clientes a adoção do testamento em formato de vídeo.
Em nossos quase 30 anos de prática jurídica já me deparei com algumas causas em que se discutiu a validade de testamentos elaborados nos moldes tradicionais, rigorosamente de acordo com os requisitos legais. Acompanho o sofrimento dos clientes e partes envolvidas, em delicados litígios, nos quais a vontade do testador na maioria das vezes foi questionada e, por vezes, até mesmo anulada!
Sei como o tema é sensível. Ainda é uma questão jurídica muito nova e antes de recomendarmos sem ressalvas esse novo formato de testamento, entendo prudente aguardar algum tempo para verificarmos como se mostrarão as decisões judiciais das ações que buscarem declarar a nulidade de testamentos na forma de audiovisual.
Tecnologia em favor do Direito, com segurança
Sou favorável às inovações tecnológicas e à evolução do Direito. Porém, a segurança, a validade e a eficácia dos atos jurídicos são fundamentais.
Em breve, o testamento via gravação de audiovisual será uma realidade no Brasil, quer venha a ser instituído mediante lei, quer através da boa aceitação que essa prática deverá ter perante a doutrina e o Poder Judiciário.
Fonte: Yahoo!