Clipping – Coronavírus altera contratos de locação de imóveis
A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) foi declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março e, desde então, a situação tem sido responsável por gerar novas demandas jurídicas diariamente. O vírus afetou a saúde, o turismo, o trabalho, a economia e, consequentemente, as relações contratuais. Entre essas relações, as do setor imobiliário são as mais comuns. Por conta da crise causada pela doença, muitos cidadãos e empresas têm encontrado dificuldades para manter compromissos contratuais já estabelecidos. No ramo imobiliário, a renegociação aparenta ser a melhor alternativa para locações comerciais em tempos de Covid-19.
Normalmente, os contratos de locação de imóveis, de qualquer natureza, passam por reajuste a cada 12 meses. A primeira mudança que o coronavírus trouxe para esse contexto, foi de que os contratos que estão vencendo agora não passarão pelo reajuste anual. Segundo o advogado especialista em Direito Imobiliário Luis Rodrigo Almeida, praticamente todas as negociações estão buscando a suspensão dessa correção por causa da crise. “Existe uma flexibilidade do proprietário em abrir mão dessa correção em alguns casos. Quando não há, a discussão vai para o Judiciário. Mas ainda não vi decisão do Poder Judiciário pós Covid-19 à respeito de reajuste”, esclarece.
Além disso, a pandemia trouxe uma série de questionamentos quanto à renegociação de contratos já existentes. Nesse caso, existe previsão legal para caso fortuito e força maior que, como Almeida explica, são aqueles casos em que algo alheio às partes envolvidas no contrato acontece e impede que as obrigações sejam cumpridas. No atual cenário, em que o comércio de algumas cidades gaúchas está fechado há, pelo menos, duas semanas, por decreto público, é comum que os comerciantes não tenham renda para continuar pagando o valor integral do aluguel. Por estar sendo obrigada a fechar esse comércio, a pessoa terá de buscar a exclusão das responsabilidades contratuais que não conseguirá cumprir.
Almeida ressalta que, para usar caso fortuito e força maior como instituto jurídico para buscar a isenção dessas responsabilidades, existem regras. “Primeiro, deve ser um fato necessário, como o do exemplo de um comércio fechado por ordem pública. Segundo, para excluir a responsabilidade dessa pessoa, ela não pode ter dado causa. Por exemplo, se ela já devia aluguel antes dessa crise, ela não vai estar protegida por nada disso”, contextualiza o advogado.
A Lei do Inquilinato não traz condições específicas como a do coronavírus, mas prevê a possibilidade de negociar e buscar o equilíbrio financeiro entre as partes envolvidas, que é o que tem acontecido com as locações comerciais. Almeida conta que, normalmente, o inquilino procura o proprietário para fazer essa renegociação. O advogado afirma que é comum que se busque suspender parte do pagamento ou o pagamento todo para, ao final da crise, voltar a pagar novamente.
Para locações residenciais, o cenário não é muito diferente, ainda que seja pouco comum. “A pessoa precisaria demonstrar que perdeu renda, seja por ser um profissional liberal, prestador de serviço ou autônomo, e que ela não consegue pagar”, explica.
Para imobiliária gaúcha, 25% dos clientes já falam em renegociação
A psicóloga e comerciária Johanna Petry Vaz teve sua situação financeira negativamente afetada desde o decreto que fechou seu estabelecimento em Porto Alegre. Ela sugeriu uma negociação para o valor do aluguel do último mês em que o comércio funcionou e a proposta foi bem recebida pelo proprietário. “Ambas as partes tiveram empatia e consideração frente ao atual cenário. Acredito que o bom senso e a transparência sempre são fatores facilitadores em qualquer situação e, nessa específica, não foi diferente”, declara.
Johanna faz parte da lista de clientes da Imobiliária Coliseu, no Centro da Capital, que optou por renegociar os contratos de locação comercial. “Desde o início da pandemia, 25% dos clientes já entraram em contato para renegociação. Todos os contratos de locação comercial da imobiliária estão sendo renegociados. Novas locações comerciais tiveram pouca procura e locações residenciais, menos procura ainda”, relata o diretor de Novos Negócios da imobiliária, Sérgio Canarim.
Ele conta que as alterações feitas nos valores são referentes apenas ao aluguel desse primeiro mês. “Optamos por não negociar os valores para os meses seguintes e ir negociando cada mês de acordo com o que for acontecendo durante o período de isolamento social. Tentamos chegar em um número comum entre o que é pedido pelo inquilino e o preço cheio.”
No caso da Johanna, o valor do aluguel foi ajustado em consideração apenas aos dias em que a loja ficou aberta. Mas a comerciária se preocupa com o que acontecerá nos próximos meses. “As lojas do comércio fechadas não geram receita e não gerando receita não há dinheiro para arcar com os compromissos, inclusive o aluguel”, pondera.
Contratos de outras naturezas também correm riscos
Além dos contratos de locação de imóveis, contratos de prestação de serviços, eventos, fornecimento de produtos e compras de empresas são exemplos de outras naturezas que também serão afetadas pelo coronavírus. Para o advogado especializado em Direito dos contratos e contratos empresariais Fernando Zanotti Schneider, todos os contratos serão afetados.
O advogado especializado em Direito Civil e Direito do Entretenimento Marco Antonio Bezerra Campos defende que a finalidade dos contratos é a estabilidade das relações jurídicas e sociais.”Uma situação como a pandemia, na qual muitas das relações foram impactadas por normas excepcionais, faz com que seja jurídico rever o cumprimento das obrigações contratuais nesse período. Haverá um repactuamento com o cumprimento das obrigações quando a situação fática voltar ao normal”, afirma.
Nesses casos, a solução é a Teoria da Imprevisão. “Ela prevê o caso fortuito ou força maior, os quais tornam as resoluções de contratos impossíveis, ocasionando a extinção dos seus efeitos e, dentro do possível, a restituição das partes ao estado anterior”, explica o advogado especialista em Direito Empresarial e Direito Tributário Laury Ernesto Koch. Ele aponta, ainda, que esse instituto jurídico pode ser usado apenas quando o fato for extraordinário e imprevisível, ocasionando onerosidade excessiva para uma das partes.
Segundo Schneider, o Código Civil é pautado pela boa-fé objetiva e essas renegociações devem ser feitas dentro do limite da boa-fé. Ele atenta para a possibilidade de oportunismo. “Uma rede de farmácias, por exemplo, não teria argumento nesse sentido porque não pode falar que o faturamento vai cair, diferente de uma rede de restaurante com lojas físicas”, argumenta.
“A renegociação extrajudicial desses contratos, pautada no princípio da boa-fé e no bom senso das partes envolvidas, é o caminho mais indicado a se seguir, buscando garantir o equilíbrio financeiro do contrato, evitando os riscos para ambas as partes”, defende Koch. Ele explica que a aplicação do caso fortuito e força maior deve ser feita de forma adequada a salvaguardar a saúde financeira das partes envolvidas. “O ideal é suspender a eficácia de alguma cláusula, com intervenção mínima, mantendo-se hígidos e perfeitos os atos jurídicos”, complementa.
Já Campos ressalta a importância de registrar tudo. “Documentar toda renegociação para deixar expresso o que foi recontratado pelas partes é o mais importante para o prosseguimento tranquilo da relação contratual no período pós-pandemia.” A renegociação não necessariamente precisa acontecer com a participação de um advogado, mas é importante que as partes envolvidas entrem em um consenso por escrito. Assim, os efeitos da pandemia podem ser minimizados durante os meses de crise e isolamento social.
Fonte: Jornal do Comércio