A voz doce da nordestina Maria Barbosa ao atender a ligação da Universa não esconde a sua personalidade forte.
Em poucos minutos, já se percebe a fibra da mulher que criou o programa “DNA Já! Não Posso Esperar”, ajudando mais de 600 crianças e adolescentes a terem o nome do pai em seus registros de nascimento.
A história dela deu origem ao livro “Em Nome dos Filhos”, novo trabalho do jornalista e roteirista Cleodon Coelho, autor das biografias de Lilian Lemmertz (Coleção Aplauso Imprensa Oficial) e da novelista Janete Clair (Editora Mauad).
Apesar de ter três cursos superiores — além de educação física e direito, ela também é formada em pedagogia -, a Doutora Barbosa, como é conhecida, só começou a estudar aos 39 anos, depois de tentar várias vezes o vestibular escondida do seu primeiro marido, que a proibia de estudar.
Hoje, aos 73, sente-se realizada: já ganhou inúmeros prêmios nacionais importantes, como o Mabe Mulher Cidadã e o Troféu Carlos Drummond de Andrade, ambos destinados a pessoas que realizaram trabalhos sociais relevantes. Veja sua história.
DNA já
“Tudo começou em 2001, quando eu tentei apartar a briga entre dois alunos de uma escola em Escada, interior de Pernambuco, onde eu era professora. Perguntei ao menino que estava mais bravo qual era o motivo dele querer acabar com o colega por uma besteira enquanto jogavam futebol. Ser chamado de filho da puta para ele ia muito além de um xingamento comum, que acontece a todo o momento nas partidas. Ele começou a me explicar a situação com uma grande mágoa. Falou que não foi registrado no nome do pai, mas que nem por isso a sua mãe era puta.
Juro que nunca vi tanto ódio no olhar de alguém. Fiquei impressionada como ele ficou tão magoado, como aquilo bateu fundo no coração dele. Resolvi fazer uma pesquisa nas escolas da região. Constatei que — em cada turma — pelo menos 20% dos alunos viviam a mesma situação. O pior disso: os meninos sem o nome do pai na certidão, quase sempre eram agressivos e grande parte das meninas tinha problemas de autoestima e acabam se prostituindo. Achei que precisava fazer alguma coisa para mudar, para ajudar.
Eu sabia que a luta seria grande. Comecei a chamar as mães para conversar e encontrei diversos tipos de situação. Ou o pai era casado e não queria que a família descobrisse, outros não queriam nem escutar falar dos filhos e ainda tinha mulheres que agiam como se o filho fosse uma propriedade delas. Não queriam nada, não deixavam o pai se aproximar. Nesse caso, eu tinha que as fazer elas enxergarem que o reconhecimento da paternidade era um direito da criança, e não dela.
Pensei nessa vitória na minha vida e isso também me deu forças para iniciar o projeto que seria batizado de DNA já. Eu saí em busca de apoiadores e enquanto não conseguia um número suficiente, cheguei a pagar exames do com o dinheiro do meu bolso.
Depois veio uma parceria com a Universidade Federal de Pernambuco e isso facilitou mais. Eu fiz um acordo com as mães que me procuraram: se o resultado desse positivo, o pai pagaria os custos do exame. Sendo o resultado negativo, o dinheiro sairia de bazares e rifas promovidos pelo projeto.
Já na primeira rodada, com a participação de cinco crianças, o “DNA Já” mostrou que podia dar certo: quatro das cinco crianças obtiveram reconhecimento paterno. Desde então, a procura aumentou muito e foi um caso atrás do outro.
Só que nessa caminhada, aconteciam coisas que jamais poderia suspeitar. Um vereador, que eu admirava muito na minha cidade, me procurou e ofereceu R$ 20 mil para que o exame de seu filho desse negativo. Olhei para ele e falei: ‘o senhor está vendo aquele telefone ali? Se insistir com isso, vou ligar para a polícia’. Ele na mesma hora parou. A admiração que tinha por aquele homem, que parecia digno, acabou no mesmo momento.
Teve também de um homem que não registrou os filhos de seu próprio casamento. A esposa não sabia que, na ausência dele, ela mesma poderia colocar o nome do marido no papel. Por isso, quando foi ao cartório, acabou deixando o pai de fora.
E houve até o caso raríssimo de gêmeos. O pai suspeitava que não fosse dele e quis fazer o exame. Sabe o que descobriram? Que cada gêmeo tinha um genitor diferente. O fenômeno é conhecido como “superfecundação heteropaternal”.
Confesso que me culpo por alguns casos que não levei adiante, por não conseguir convencer os pais. Sentia uma tristeza por saber que muitas crianças continuavam a faltar na aula no Dia dos Pais por não terem a quem homenagear.
Luta pelo conhecimento
Eu entrei para a faculdade de Educação Física com 39 anos. O meu primeiro marido não queria que eu estudasse e era meu sonho. Ele achava que mulher que “inventava” de ir para a faculdade depois de casada porque tinha a intenção de trair. Fiz vestibular escondido dele várias vezes.
Depois que passei, meu casamento acabou. Não queria ficar do lado de um homem que me anulava. Estudei na mesma turma da minha filha mais velha e era chamada de vovó, porque quase todos que optavam por Educação Física eram muito jovens.
Depois comecei a namorar um policial e veio a vontade de fazer a faculdade de Direito. Ele já tinha tentado por muitas vezes e foi reprovado. Fiz e passei. Quando contei a novidade, ele me incentivou a cursar e me animei mais ainda. Chegamos a casar, mas depois nos separamos. O motivo foi a traição. Falei para ele, a única coisa que não admito é chifre. Então me traiu, pronto. Terminei mesmo. Sou assim.
Parada não definitiva
O projeto “DNA Já” precisou parar por conta de um acontecimento triste de violência. Maria Barbosa morou durante anos sozinha depois da última separação e foi assaltada em casa. Além de perder cerca de R$ 20 mil, os bandidos levaram jóias e objetos pessoais. Por conta do trauma, ela ficou alguns meses na casa de uma das suas filhas em Portugal, até agora voltar para o Brasil e lançar seu livro. Ela conta que tem muita vontade de retomar o projeto, mas ainda não tem data prevista.
Fonte: UOL – Universa
Fotos: UOL