Artigo: Se antes do ‘sim’ viesse o ‘como’: casamento, união estável e a família ideal
Este texto é um convite a refletir sobre parâmetros que sugerem um bom funcionamento familiar. Como seria o modelo de família ideal? Talvez aquele grupo de pessoas bem-humoradas que cedo do dia compartilham um lindo de café da manhã? Seria ótimo se a vida real fosse tão simples.
Direitos e obrigações nascem com o indivíduo, e quando duas pessoas adultas passam a viver juntas com o intuito de constituir família, os direitos e obrigações tomam outro enfoque, e isso não é uma questão de escolha, é um fato. Os parâmetros jurídicos que envolvem esse passo celebrado pelo coração é que protegem o casal diante da imprevisibilidade da vida em comum, mesmo que esse casal silencie sobre como juridicamente pretende construir a relação. O silencio, nesse caso, não torna o casal descoberto, mas deixa margem para dúvidas que podem se tornar estopim de uma guerra. Por isso, um contrato claro pode ser o mitigador de dúvidas e condutor de escolhas que mantenham a segurança do casal e de toda sua extensão.
Você já imaginou se antes do “sim” os casais perguntassem um ao outro “como” regrar a união? Se antes da união esse casal procurasse auxílio de um profissional capacitado para explicar a extensão de suas obrigações e direitos, auxiliando a pré-estabelecer um regime de bens adequado para ambos? Tornar claro parâmetros que preveem a quem caberá determinadas obrigações entre eles próprios e a seus filhos? Esse é um caminho que protege a família diante da imprevisibilidade da vida, restringindo o espaço para o conflito.
E quando o assunto é relacionamento, surge a pergunta em voga na atualidade: qual o índice de separações na pandemia? Respondo, antes de adentrar no tema, que é preciso esclarecer a diferença entre o casamento e a união estável. A lei já equiparou os dois modelos, não havendo mais distinção de direitos, restando diferenças apenas na nomenclatura e no caráter da formalização. Assim, o casamento é o que surge da vontade de duas pessoas que se unem em formalizar o ato, registrando-o no Cartório de Registro de Pessoas Naturais, e os solteiros se tornam casados. A união estável, por sua vez, que pode dispensar a formalização, nasce da convivência pública, notória e continuada com intuito de constituir família. Em uma singela compreensão, é aquilo que nasce com a ocupação de uma gaveta do closet, meio sem querer, e vai conquistando espaço vago aos pouquinhos.
E por que importa fazer a distinção? Dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-BR) mostram que em abril, no início da pandemia, os matrimônios passaram de 19.797 em 2019 para 9.301 em 2020, resultando em uma redução de 53% (de acordo com reportagem de Tatiana Santiago e Vivian Reis, publicada no G1 SP em 23/7/2020). Particularmente, penso que esses números não expressam uma diminuição no interesse de união entre os casais, apenas indicam que a formalização das uniões diminuiu.
Já segundo o Conselho Nacional de Justiça, em matéria publicada em junho de 2020, os divórcios consensuais aumentaram 10,6% em comparação com o mesmo período, compreendido de fevereiro a maio, de 2019. Os dados referem que pessoas casadas “no papel” se divorciaram consensualmente, mas não faz referência a dados sobre os coniventes que porventura dissolveram a união.
No entanto, os casais sem filhos e que não acumularam bens passíveis de divisão e que não formalizaram a união e que simplesmente desistiram da convivência não aparecem em qualquer registro, nem de união, nem de separação, logo não é possível precisar o número exato de uniões ou separações havidas em meio à pandemia.
Assim como, para alguns casos, o confinamento acelerou a tomada de decisões quanto à insuportabilidade da vida em comum, para outros também veio por antecipar uniões informais, tornando pessoas solteiras em conviventes. Como essas relações nascem sem formalização, é difícil aferir um índice exato tanto em relação às separações quanto para as uniões, a menos que a pesquisa fosse realizada em campo, praticamente de porta em porta.
As relações familiares são complexas pela singularidade de cada pessoa, e não deixarão de ser, nem de existir, nem mesmo em meio à pandemia, que só tem o condão de reorganizar o contexto, talvez em novos ciclos. Como advogada conciliadora, reforço que as pessoas se unam de forma consciente, através de um planejamento familiar inteligente, que tenha eficácia na formalização da união, seja através do casamento ou da união estável, pois, quando bem planejados, não deixam espaço para conflitos.
E quando a separação é inevitável, embora seja um passo sofrido, pode ser conduziada de forma consensual. Esse é um desfecho possível quando o casal e o advogado direcionam o foco no propósito de proteger os vínculos e a perpetuação da família, em harmonia.
* Niver M. Bossle Acosta é advogada, pós-graduada especialista em Direito Empresarial pela PUC-RS e especialista em Negociações pela Harvard Business School (HBX).
Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)