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Artigo – Mudança do regime de bens do casamento não precisa ter razões profundas

Diante do cenário atual de pandemia global, que fará ruir a situação financeira e patrimonial de muitas empresas, uma ação que provavelmente irá aumentar em número é a de modificação (alteração) do regime de bens.

Explico. Os efeitos produzidos pelo casamento, com a adoção do regime de comunhão parcial, podem, de certa forma, afetar as relações patrimoniais entre marido e mulher, quando um ou ambos os cônjuges forem empresários, uma vez que os bens adquiridos na constância do casamento se comunicam, inclusive aqueles adquiridos com o resultado financeiro das empresas dos quais participam como sócios. As dívidas das sociedades, de igual sorte, consideradas certas peculiaridades e limitações como subscrição ao capital social, podem levar bens a leilão e provocar dissabores e estremecer as relações afetivas.

Essa possibilidade de alteração de regime de bens é recente, a partir do Código Civil de 2002, pois antes vigorava a imutabilidade do regime de bens.

A passagem de um regime de bens para outro, normalmente do regime de comunhão parcial para o regime de separação total de bens, é possível mediante autorização judicial, necessitando, assim, que haja o ingresso em juízo, não podendo ser feito em cartório.

O Superior Tribunal de Justiça tem firme orientação no sentido de aplicar o artigo 1.639, §2°, do Código Civil de 2002 [1], para matrimônios celebrados na vigência do Código Civil anterior, autorizando a mudança do regime de bens, desde que cumpridas as demais exigências legais e respeitados os direitos de terceiros, notadamente os efeitos do ato jurídico perfeito consubstanciados sob o regime originário [2].

Aliás, o Enunciado nº 113 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal [3] pontua que “é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado pro ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de vívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.

O pedido, portanto, deve ser motivado [4], instruído com certidões negativas e declaração de bens dos interessados, sob pena de o Ministério Público requerer mediante cota nos autos e a jurisprudência tem revelado a possibilidade de obtenção da alteração apenas com a justificativa de que o outro cônjuge irá exercer atividade empresarial ou empreender em uma sociedade com terceiros [5].

Consoante a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves [6], acercado artigo 1.639 do Código Civil atual, “dentre os motivos relevantes para a modificação do regime pode ser mencionada, exemplificativamente, a alteração do regime legal de comunhão parcial para o de separação de bens, na hipótese de os consortes passarem a ter vidas econômicas e profissionais próprias, mostrando-se conveniente a existência de patrimônios distintos, não só para garantir obrigações necessárias à vida profissional, como para incorporação em capital social da empresa”.

Um dos interessantes casos sobre o tema que tramitou no STJ e que parece evidenciar ser suficiente à alteração, a mera motivação de divergência acerca da administração dos bens do casal, a justificar o interesse processual, foi a decisão da 3ª Turma no REsp 1.446.330/SP [7], de relatoria do ministro Moura Ribeiro. No caso em questão, apesar de as instâncias inferiores vinculadas ao TJ-SP terem negado a pretensão dos cônjuges, descartando o interesse da esposa de que seus bens de herança não fossem atingidos, pois tais bens já estariam ressalvados pela incomunicabilidade estampada no artigo 1.659, I, II e III, do Código Civil, o STJ deu provimento ao recurso especial compreendendo que, apesar da pretensão de incolumidade da herança recebida pela cônjuge, também havia o argumento constante da inicial no sentido de haver divergência na administração dos bens do casal, necessária à preservação da paz conjugal.

Portanto, a justificativa para a modificação do regime de bens, tal como asseverou o ministro Moura Ribeiro no supracitado precedente, não precisa estar pautada em razões profundas, bastando o fundado receio de constrição indevida e mesmo divergência na administração dos bens.

 
 
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